20 março 2017

A Luz no Fim do Túnel é um Trem na Contramão


Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas para a frente, não podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar o que se passa no interior. A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. Entre ela e os prisioneiros há um caminho ascendente, e nesse caminho, uma mureta. Ao longo dessa mureta, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas. Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam. 

Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que são imagens , nem que há outros seres humanos reais fora da caverna. Também não podem saber que enxergam, e imaginam que toda a luminosidade possível é a que reina na caverna. Um dia, um desses prisioneiros se liberta. Em primeiro lugar, com muito sacrifício e dor, por nunca ter se movimentado, olha toda a caverna, vê os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começa a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, e nele adentra. Num primeiro momento, fica completamente cego, pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele fica inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostuma-se com a claridade, vê os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxerga as próprias coisas, descobrindo que, durante toda sua vida, não vira senão sombras de imagens e que somente agora está contemplando a própria realidade. Tudo é uma linda novidade: as pessoas, a luz, as árvores, o vento. Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressa à caverna. Logo fica desnorteado pela escuridão, mas com sacrifício, apalpando as paredes, em meio a tropeções, ele entra e conta aos outros o que viu e tenta libertá-los. Mas os demais prisioneiros zombam dele, não acreditam em suas palavras. Logo ele, que agora está tão cego que nem consegue andar pela caverna sem tropeçar. "Ele está cego" dizem seus companheiros. Sem conseguir silenciá-lo com suas caçoadas, tentam fazê-lo espancando-o e, mesmo assim, ele teima em afirmar o que viu e os convida a sair da caverna. Eles acabam por matá-lo.

Com certeza essa alegoria escrita por Platão seja uma das mais interessantes e mais usadas pra se falar sobre qualquer evolução ou libertação intelectual ou espiritual. Talvez ela já tenha sido usada para se falar de vários assuntos, das maneiras mais nobres até as mais pobres possíveis. Aqui me ponho a usa-la, até mesmo pelo fim que levou o libertador da caverna, para citar uma certa libertação.
A cena é essa: pessoas presas a rituais, regras, listas inacabáveis do que se pode e não se pode fazer. Alguém, de forma libertadora, chega ao mundo-caverna falando sobre o que é a vida de verdade. O messias falava contra a cegueira e a prisão, sem cerimônias. Foi chamado de cego, beberrão e comilão, herege, endemoninhado. Tentaram calá-lo caçoando dele. Depois batendo. Ameaçando-o de morte. E por fim, o matando. Triste perceber que a igreja, ou no mínimo seus líderes, o fez. "E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará"? ele dizia. Então respondiam, com ar de libertos, mesmo estando em correntes desde que nasceram: "Somos descendência de Abraão, e nunca servimos a ninguém, como dizes tu: Sereis livres?"
Estou certo de que se algum morador da caverna que o ouviu, se empenhe em tentar sair da caverna-mundo-pensamentoeclesiástico, será chamado de louco. Se olhar para os lados e disser que o que essas pessoas vêem são só sombras, com certeza terá o mesmo destino do libertador. Os presos se acham livres, e acham que loucos são os que tentam se libertar. Os presos são cegos, e acham que cegos são os que viram a luz de verdade, lá fora.

Pode parecer só um texto, só uma teoria copiada. Mas passa disso.

E todos vamos ler esse texto nos achando um dos que tentam se libertar. Mas somos os cegos e inertes da caverna, presos e cômodos ao que chamamos de cristianismo, sem percebermos que libertar era o principal objetivo do messias que morreu condenado por nossas cópias antigas. Somos justamente os que matarão os que tentarem se levantar. Prova disso são nossas listas imensas? como a dos antigos? do que se pode e não se pode fazer, enquanto estamos presos, chamando uns aos outros de irmãos libertos. Seguimos com uma lista na mão, uma pedra na outra. Tentar viver sem essa lista? isso se chamava Graça? vai ser o primeiro mover tentando soltar as correntes. Tentar viver sem julgar os que fazem o que você adoraria fazer? enquanto nega que não? seria outro mover na tentativa de se libertar. E aos líderes desrespeitosos que se acham os próprios libertos, seguirão chamando a todos de cegos, olhando sombras na parede da caverna, e crucificando qualquer um que ouse questionar. Os conheço há milênios...

Ricardo Borges

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.